Marko Fon: o coração do Carso
Marko Fon, um “jovem genial, artesão apaixonado” segundo o The New York Times, que largou tudo para se dedicar de corpo e alma às vinhas deixadas pelo seu pai num cantinho recôndito e mágico entre a Eslovênia e a Itália!
“Estas mãos transmitem uma tradição de muitas gerações… que moveram pedras para plantar uma videira.”
Foi assim que Marko Fon nos acolheu no seu refúgio no Carso esloveno, onde cultiva vinhos com alma. A sua voz, serena e pausada, ecoa como uma extensão da terra calcária e dos ventos salgados do Adriático. Passar um dia com ele não é apenas conhecer um produtor de vinhos naturais da Eslovénia — é viver uma experiência espiritual (não muito distante da nossa visita ao Gravner.)Cada gesto seu é um tributo ao solo e ao silêncio. Não há slogans nem artifícios: apenas verdade.
O poeta do vinho
Marko Fon é um poeta, não apenas das palavras, mas também do gesto. Tudo o que diz tem peso, alma, e um ritmo que parece vir das entranhas da terra calcária onde cresceu.
“Vento matto per arrivarci”, diz ele, sorrindo com os olhos, referindo-se ao vento que sopra forte na sua região — e à travessia que é fazer vinho ali.
Na sua voz não há marketing, não há autocelebração. Há compromisso, há humildade, há o coração. Esse é, aliás, um dos três pilares que ele escreveu nos rótulos dos seus vinhos:
"Cuore, cuor sano. Sì, sì."
Coração, coração são. Sim, sim.
É isso que guia a sua produção. Mesmo que dê prejuízo. Mesmo que doa. É assim porque é o jeito certo.
O melhor presunto das nossas vidas
Antes de provarmos os vinhos, Marko ofereceu-nos algo que jamais esqueceremos: o melhor presunto das nossas vidas.
Cortado à mão por ele, com calma, com honra, como quem serve algo sagrado. Sem marca, sem DOP, sem palco — apenas produto local, curado lentamente, como se fazia antigamente. A refeição, ali, tornou-se liturgia.
A descoberta de um mestre
O Guilherme Corrêa conheceu os vinhos de Marko em 2013, quando ainda eram uma lenda subterrânea. Na época, o Gui foi um dos pioneiros a levar vinhos laranjas e naturais para o Brasil — muito antes de se tornarem tendência.
Marko já era uma referência entre os que sabiam onde procurar. Os vinhos não vinham com fichas técnicas nem slogans. Vinham com alma. E alma não se explica.
Uma terra dura com frutos doces
Marko nasceu no Carso — ou Kras, como dizem os locais — e cresceu entre videiras, cabras, batatas e cenouras. Uma infância rural, verdadeira, em contacto íntimo com o ciclo da natureza.
“Eu vivi no vinho, no campo, e com as vacas.”
Não se trata apenas de cultivar a videira: trata-se de compreender a paisagem como um todo, de respeitar o tempo, de aceitar a dureza do lugar.
O Carso é uma região bruta, de rochas expostas, argila vermelha, e vento salgado vindo do Adriático. O lado esloveno, onde está Marko, é mais abrigado que o lado italiano — e, por isso, menos afetado pela modernidade. Aqui, a agricultura ainda se faz com as mãos e com a intuição.
Malvazija, Vitovska e Teran — e mais nada
Marko cultiva apenas três castas, todas autóctones: Malvazija, Vitovska e Teran.
As vinhas são pequenas, dispersas, e algumas têm mais de 110 anos. Há árvores de fruta no meio das parcelas, figueiras e ameixeiras onde as vinhas sobem e se entrelaçam. No inverno, os burros da família pastam entre as linhas, limpando e fertilizando o solo.
Tudo é feito por ele e pela família. Não há empregados. As plantas confiam neles, diz.
A vindima é longa, feita manualmente em várias passagens. As vinificações são mínimas, com leveduras indígenas, com ou sem maceração, dependendo do ano. O envelhecimento ocorre em ânforas, foudres e barricas antigas.
A produção é minúscula: 3.000 a 5.000 garrafas por vinho. Algumas cuvées, como o "4 Stati", não passam de 400 garrafas por ano.
O vinho que escreve "Carso"
Para Marko, escrever “Carso” no rótulo é um ato de responsabilidade profunda.
“Não é uma app. Não é um vídeo no YouTube. É uma responsabilidade.”
Ele não quer fama. Quer servir o Carso. Os seus vinhos não são produtos: são expressões puras de um território, de um modo de vida, de uma ética.
Uma visita inesquecível
Voltámos para casa com a alma cheia e o coração leve. Os vinhos de Marko não são apenas raros — são essenciais. Bebê-los é entrar em contacto com um mundo mais sincero, mais lento, mais poético.
E como se tudo isso não bastasse, Marko ainda nos surpreendeu com um momento que ficará gravado na memória: abriu uma raríssima damigiana de 4 Stati 2019, guardada como um tesouro pessoal. O vinho estava num estado de graça — um espetáculo da natureza, vivo, profundo, com aquela vibração telúrica que só ele sabe embotellar.
Marko Fon é hoje um dos nomes mais reverenciados entre os amantes de vinhos naturais e biodinâmicos da Europa Central. O seu trabalho artesanal inspira uma nova geração de produtores e é procurado por enófilos que valorizam autenticidade, origem e integridade. Beber um dos seus vinhos é entrar num mundo onde a natureza dita as regras e onde cada garrafa conta uma história de resiliência, silêncio e beleza.
Na Temple Wines, temos orgulho em partilhar este raro tesouro do vinho orgânico esloveno com quem sabe escutar. Como nos disse o próprio Marko, com a sabedoria de quem cultiva mais do que uvas:
“Escrever ‘Carso’ no rótulo... não é brincadeira.”
Vinhos disponíveis da Eslovénia: templewines.eu
Quattro Stati: um vinhedo, quatro países, uma alma
No alto do Carso esloveno, entre o Adriático e as cicatrizes de duas guerras mundiais, sobrevive um vinhedo plantado em 1909 que já pertenceu a quatro países diferentes — e jamais foi abandonado. Hoje, cuidado por Marko Fon e Marco Tavčar, o Vigna Quattro Stati é mais do que uma vinha: é uma cápsula do tempo, uma ode à resistência, à agricultura viva e à identidade natural do território.
O site da crítica britânica Jancis Robinson publicou um belíssimo artigo sobre este lugar e o trabalho com a Malvazija Istarska, um dos grandes tesouros vitícolas da Eslovénia. Uma leitura obrigatória para quem se interessa por vinhos naturais, viticultura orgânica e histórias que transcendem o copo.
Para ler o artigo completo, visite jancisrobinson.com