Miani: o agricultor do silêncio e os vinhos mais cultuados de Itália
No Friuli, quase escondido entre as colinas de Buttrio e os ventos cortantes que descem dos Alpes Julianos, vive um homem que transformou o silêncio e a dedicação extrema em vinho puro. O seu nome é Enzo Pontoni, e o nome da sua obra é Miani — um produtor lendário, e ao mesmo tempo, absolutamente discreto.
Enzo é uma figura quase mitológica no mundo do vinho, embora profundamente humana e discreta. Não quer ser chamado de enólogo. Nem sequer de vigneron. “Sou agricultor”, diz.
E é mesmo.
Todos os dias, desde sempre, Enzo vive com as vinhas. Com o frio, com o sol. Diz-se que não deixou o Friuli em mais de vinte anos. E só se ausentava das vinhas para almoçar com a mãe.
O camponês que os grandes sommeliers veneram
Pontoni não é enólogo de formação, nem tampouco administrador de negócios. É um agricultor no sentido mais literal e profundo da palavra. Passa os seus dias nas vinhas, sozinho, muitas vezes em silêncio, cuidando de cada planta com a precisão de um joalheiro. A sua ligação à terra é tão intensa que, com o tempo, os rigores do frio alpino deixaram-lhe uma marca física: um dos lados do seu rosto ficou paralisado, resultado de décadas exposto ao vento, sem nunca se afastar da sua missão.
Viticultura sem concessões
Na Miani, cada parcela é tratada como um organismo único. Como se fosse um filho, com suas necessidades e vontades próprias. Enzo fala pouco, mas conhece cada videira como quem conhece o próprio corpo. As vinhas são cultivadas como jardins: sem herbicidas, com leguminosas plantadas entre as fileiras, solo arejado sem compactação, trabalho manual exaustivo.
Com rendimentos minúsculos (em média, 10 hl/ha), cada garrafa de Miani é uma raridade absoluta. Não há fórmulas. Não há protocolo. Só atenção radical ao que a vinha pede e à forma como cada vinho quer nascer.
Terroir esculpido à mão
As vinhas de Pontoni estão localizadas em solos de ponca (marga e arenito), ricos em complexidade mineral. Muitas das parcelas têm mais de 70 anos. Cultiva Friulano, Ribolla Gialla, Sauvignon Blanc, Chardonnay, Merlot e Refosco, com rendimentos baixíssimos, para máxima concentração.
A sua obsessão pela precisão é tal que não vinifica todos os anos: se a natureza não entrega a perfeição, simplesmente não há vinho.
A adega mais espartana da Itália
Ao chegar a Miani, o choque é imediato: uma garagem. Sem sinalética, sem salas de prova, sem requinte. Um espaço quase cru, funcional, onde as garrafas mais disputadas da Itália nascem em barricas silenciosas. Nenhum artifício, nenhum marketing — apenas foco absoluto na uva e na sua expressão mais fiel.
“Demorei vários anos para conseguir um encontro em Miani. Pontoni vive literalmente nas suas vinhas... não consigo pensar em muitos vinhos que preferisse ter à mesa do que os de Enzo Pontoni.”
— Antonio Galloni
O vinho que os italianos procuram em cartas pelo mundo
Os vinhos de Miani são altamente cobiçados em restaurantes com estrelas Michelin em toda a Europa, Japão e Estados Unidos — incluindo vários da nossa própria rede de clientes. Sempre que um italiano reconhece um Miani numa carta de vinhos, os olhos brilham, e é comum que nos digam:
“Não imaginava ver um Miani aqui...”
Há uma reverência silenciosa. Uma emoção contida que acompanha o primeiro gole. Porque um Miani não é só um vinho — é uma experiência de terroir elevado ao seu grau mais puro e artesanal.
A transformação recente
A partir de 2013, Enzo iniciou uma nova fase. Mais delicada. Menos extrativa. Deixou a força muscular dos vinhos antigos para trás e procurou finesse, nuance, silêncio. E conseguiu. Os tintos de Miani, hoje, são poderosos mas transparentes, texturais e elegantes. Os brancos, desde sempre, são considerados por muitos os melhores de toda a Itália.
“Os vinhos de Miani são decadentes de tão deliciosos, mas nunca pesados ou desequilibrados.”
— Ian D’Agata, Vinous
Na Temple Wines, é uma honra partilhar estas raras garrafas com quem compreende que grande vinho não grita – sussurra, com profundidade, tempo e alma.